terça-feira, 15 de março de 2011

O abismo

O PM vai inventando maneiras sem fim de se conservar no poder.
Segundo ele, só a crise internacional nos fez chegar onde estamos.
Segundo Sócrates, o crescimento inferior a 2% que Portugal tinha em 2007 era bom; a dimensão do Estado era a correcta; as parcerias público-privadas estavam bem negociadas.
Segundo ele, precisávamos e continuamos a precisar de grandes e sumptuárias obras públicas, custem o que custarem, ou antes, custem-nos o que custarem.
Segundo ele, a nossa agricultura estava forte e viçosa; a nossa indústria competititiva.
A nossa banca estava excelente, acompanhada de perto pelo olho de lince do Banco de Portugal gerido por Constâncio.
Para Sócrates, o raquitismo da nossa sociedade civil não existe e se existir, nasceu em 2008, com a crise internacional.
A dívida e o endividamento não existiam, nasceram há escassos dois anos e meio.
A produtividade, em 2007, estava, para Sócrates imparável.
Mesmo a meio da "crise internacional" Sócrates dizia (lembram-se?) que o Estado era fundamental para sair da crise e por isso que era importante gastar mais, muito mais, para agravar a crise. Quem lhe dissesse o contrário era "liberal".
Nesta lógica maniqueísta para eleitor ver, os que queriam evitar o abismo (quase todos os grandes economistas do País) eram, para além de liberais, os "velhos do Restelo". A defesa a que Sócrates se agarrava era a de que ele era o garante dos "direitos", do "Estado Social", das conquistas de Abril, do socialismo anti-liberal.
A realidade foi cruel com Sócrates e mais ainda com Portugal.
Foi cruel com Sócrates (o mal menor) porque o tornou numa espécie de FMI-nacional: a cortar fatias inteiras do Estado Social, a atraiçoar os funcionários públicos (a quem Teixeira dos Santos concedeu aumentos salariais de 3% em plena "crise internacional"), a cortar nos subsídios sociais, a aniquilar o abono de família, a diminuir a protecção em caso de desemprego.
Sócrates tornou-se no maior dos liberais portugueses e no pior dos velhos do Restelo: aquele que já nem fala do futuro, porque está apenas centrado em agarrar-se ao poder no presente.
Mas esse seria apenas o mal de Sócrates. E com esse vivemos nós bem.
O pior é essa crueldade voltou a atingir Portugal em cheio. Porque a crise se agravou e porque continuamos com Sócrates numa lógica de governação-marketing.
Hoje, 15 de Março de 2011, o PM está contente porque a taxa de juro a 5 anos "desceu" para 7,8%...
A isto chegamos.
Está a chegar ao fim a era Sócrates. Espero que não seja só desejo e que esteja, como hoje me parece, escrito nas estrelas.
Se assim for, nunca o alívio terá sido tão grande entre nós. Já tivemos muitas crises, mas nunca criadas por tão poucos governantes em tão poucos anos e tão perigosamene graves para o País.
O nosso presente colectivo já foi, no passado, tão mau quanto o presente que hoje temos (ou até pior), mas nunca o futuro esteve tão comprometido.
Já houve momentos em que a nossa sustentatibilidade colectiva esteve posta em crise, mas nunca deixámos de acreditar nela. Hoje temos dúvidas, que devemos a vários governos, mas muito especialmente aos dos últimos 21 anos e mais especialmente aos dos últimos 16 e ainda muito mais especialmente aos dos últimos 6 anos e de modo muito particular a José Sócrates.
Ele tem sido sempre o homem de (como dizia o outro) perante o abismo, dar o passo em frente, sem hesitações, tudo muito simpex e num discurso muito tecnológico e renovável.
Precisamos que vá embora. Não tanto para nos salvarmos deste presente (do qual não há salvação), mas para voltarmos a falar do futuro, a pensar no futuro e a ter futuro.

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