sexta-feira, 5 de junho de 2009

Da abstenção entre o não-protesto e o anti-protesto

O País vive algum desencanto com a política, o qual, a meu ver, decorre mais da prática de boa parte dos seus actores, de vícios do sistema e de equívocos da Constituição, do que propriamente do nosso estado de alma enquanto povo. Quanto muito, este estado de alma adensa aquele desencanto.

Há, portanto, razões para o desencanto. O problema do desencanto é que nada cria, pelo que a reacção abstencionista permite apenas a cristalização dos nossos problemas.

Como estamos todos ainda muito ligados à noção do voto como exercício do poder pelo povo, o povo não sente vontade de votar porque bem sabe já ter votado muitas vezes sem ver a sua vontade minimente exercida, até pela forma como, em Portugal, as promessas eleitorais são descaradamente postas na gaveta.

A verdade é que quem exerce o poder são os políticos, pelo que o voto deve comunicar uma aposta, ou uma avaliação dos políticos e dos seus actos e a manifestação de uma vontade em ver determinadas medidas postas em prática.

Caso todos sejam avaliados negativamente e caso em nenhum se queira apostar, só o voto em branco traduz um comportamento cívico positivo de negação universal de todos os candidatos, de todos os partidos.

Claro que a abstenção, nos casos em que não é tristeza pura (muito mais difícil de gerir), é gira e popular, fica bem numa sessão de copos, por entre frases esclarecidas como "vou lá sair de casa por estes gajos" e que tais. Este raciocínio é o mesmo que define políticos incompetentes, que também não estão para muita coisa por nossa causa, ou por causa do País.

É um comportamento que quando não assenta em desespero traduz apenas desprezo pela comunidade e desleixo comportamental.

Por isso, o comportamento de parte significativa dos abstencionistas é apenas um comportamento pouco cívico, como cuspir para o chão, colar uma chiclete no banco do autocarro, ou calcar deliberadamente as flores de um jardim municipal.

Estivemos décadas a mais sem poder votar. Entre Manuel de Arriaga e Marcello Caetano, a sociedade civil viveu sempre num estado de compressão de que está ainda longe de se ter libertado.

Os abstencionistas são um dos obstáculos a essa transformação.

Há poucos gestos na vida (para quem é saudável) tão importantes como sair de casa e votar.

E já agora, uma provocação: quando for votar, esqueça o que os políticos lhe andaram a dizer e vote de acordo com aquilo em que acredita. É uma experiência como qualquer outra e como muitos abstencionistas não vão abandonar esse seu estado, vai perder apenas 4 ou 5 minutos.

2 comentários:

  1. «vote de acordo com aquilo em que acredita»

    CDS 20%
    BE 20%
    PCP 20%
    MEP 20%
    PNR 10%
    MPT 5%
    MMS 5%
    PS 0%
    PSD 0%

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  2. Discordo...

    Andámos a votar há 35 anos para quê? com o nosso voto só legitimámos a transformação da democracia nesta cleptocracia em que vivemos.

    Voto em branco: “Acreditando na capacidade para governar de todos os partidos concorrentes, não querendo ou não se sentindo capaz para apontar um, aceita e dá como boa, a escolha da maioria.”

    A atitude de um cidadão responsável perante os políticos que (não)temos só pode ser a da abstenção ou, quanto muito, votar nulo!

    Votar em branco, ou em qualquer um deles, é avalizar a continuação das políticas cujo resultado sentimos na pele todos os dias.

    E, se assim procedermos, os nossos netos não nos perdoarão.

    Zé Muacho

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