sexta-feira, 12 de junho de 2009

A vantagem de existir democracia em Moledo

Ainda esses "dias atlânticos"...

Há uns anos, a minha sobrinha Maria Luísa ficou chocada quando lhe expliquei, orgulhoso e inconsciente, que Moledo – onde vivo há cerca de vinte anos – era um dos lugares menos democráticos do país. Essa revelação impopular deixou-a consternada.
Maria Luísa, que era então a eleitora mais esquerdista da família, suspirou e culpou o retrato do Senhor Dom Miguel, uma das glórias da família (guardado, como o leitor sabe, no casarão de Ponte de Lima), pela sobrevivência de reaccionários a norte do Zêzere e até à fronteira de Valença ou ao Cantábrico. Ora, o príncipe proscrito não tem a ver com o assunto; a democracia é uma novidade na história humana e nem todas as sociedades se regem pelos seus maravilhosos princípios. Ou seja, ainda: o destino final da humanidade não é viver em democracia mas, como repetia o velho Doutor Homem, meu pai, ir sobrevivendo às novidades que prometem a nossa felicidade.
Felizmente que existe democracia – e, por extensão, praias muito mais democráticas. A praia de Moledo tem água fria; o vento do crepúsculo é cortante durante a Primavera e áspero no resto do tempo (tirando seis ou sete tardes de Verão); a ondulação do seu mar, longe de ser amena e acolhedora – como nos bilhetes postais dos trópicos –, é agreste e cai com violência na derradeira rampa de areia; durante a maior parte das manhãs da ‘época balnear’, há uma suavíssima neblina (ou ‘nevoeiro implacável’, segundo os meus sobrinhos) que, beneficiando os entusiastas de paisagens, afasta os que desejam bronzear-se. Esta conjugação de factores bastaria para barrar os portões de Moledo aos veraneantes; mas, ainda assim, há gente que resiste. Ou seja, há quem não se importe de trocar o Algarve tépido, sensualista e mediterrânico pelo clima levemente invernal das manhãs do Verão de Moledo. Há, finalmente, quem não se reuna sob o pavilhão do Grande Verão do sul, quente e democrático, e mantenha o hábito de continuar a enregelar nas praias de Moledo.
Ora, quem é essa gente que bravamente se recusa a juntar-se à multidão? Meia dúzia de amotinados contra a democracia. A democracia impõe a lei da maioria (e nada escrito exige que respeitem as minorias, à parte alguma misericórdia) e a maioria prefere entregar-se aos prazeres dos trópicos ou das praias da moda. Pois se é assim, Moledo é uma praia pouco democrática. Não tem nada do que a maioria das pessoas quer. Cheira a pinhal e a sargaço, ao nevoeiro da Galiza e a bronzeadores antigos. É uma velharia.
Espero, com isto, ter afastado alguns visitantes. Ai de mim, que ainda penso influenciar leitores.

por António Sousa Homem, in Domingo - Correio da Manhã - 19 Abril 2009

3 comentários:

  1. Só nos falta mesmo um post sobre dias passados sob "uma camélia de Nevogilde"...

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  2. Na 6a-feira esteve um dia bem democrático. E, para dias de praia menos democráticos, um passeio por Caminha (recomendo visita no dia do Corpo de Deus) ou Vila Nova de Cerveira (porque não em dia de feira?. E por falar em "democracia", por lá andavam o Sr. Ministro das Finanças e o Professor (-fessor, não -vedor) Jorge Miranda.

    AD

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  3. E pela feira de Cerveira andava o Eng. Poças Martins...
    GV

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