segunda-feira, 8 de junho de 2009

Serei só eu?

Num tempo em que «tempo» é aquilo de que não dispomos, acaba-se muitas vezes por se desperdiçar energia vital na discussão daquilo que não é essencial.

Quanto a mim, face aos resultados eleitorais desta noite e à tendência (que o tem sido) dos últimos actos eleitorais, aquilo que considero realmente merecedor de destaque é o facto de a extrema-esquerda portuguesa colher nas urnas cerca 23,22% dos votos (correspondentes ao somatório percentual do BE, CDU, PCTP-MRPP, PH e POUS [este último, não resisto a comentá-lo, tem sistematicamente um número de votos inferior ao necessário para constituir um partido político!]).

Assim, muito mais relevante do que se ter comprovado que o Partido Socialista já entrou em fase descendente; que o CDS-PP, eleição após eleição, dá lições de 400% às sondagens mais conservadoras; que Manuela Ferreira Leite interrompeu o discurso de Paulo Portas quando este ainda mal tinha começado (terei sido só eu a reparar?), é o facto de haver uma preocupante escalada de uma esquerda radicalmente vocacionada para capitalizar os vulgarmente denominados "descontentes da crise".

Não gosto de dramatizar, mas é realmente dramático que, perante a obtenção de cerca de 1/4 dos votos por um conjunto de partidos que põem em causa o sistema económico e social que define a Europa em que vivemos e pela qual os nossos Pais lutaram, o único comentário que o facto merece dos analistas é a ultrapassagem do Partido Comunista pelo Bloco de Esquerda.

Serei só eu a achar tal aspecto perfeitamente irrelevante perante o facto de ambos aumentarem a votação em termos absolutos? O Partido Comunista [na sua versão travestida de azul e branco, a. k. a., CDU] viu o seu número de votantes aumentar de 309.406 para 379.292 [+ 69.886 votantes] e o Bloco de Esquerda de 167.279 para 381.791 (+ 214.512 votantes); serei só eu a achar que entre um e outro, com excepção da posição relativa que cada um ocupa, não houve, de facto, um perdedor?

Serei só eu a achar que é mais preocupante estes partidos não crescerem à custa um do outro, ou dos abstencionistas, mas sim à custa dos partidos do arco democrático?

Este resultado é definitivamente um cartão muito vermelho, não para as "políticas de direita" do Governo Socialista, mas para a democracia em geral, que não pode compactuar inerte com esta ascensão sem rever as causas que lhe estão na origem.

Impõe-se, assim, que a classe política com responsabilidades governativas (efectivas e potenciais) decida erigir definitivamente a política social e o combate ao desemprego não apenas como uma prioridade inequívoca da governação e da oposição, mas também como forma de reagir a este fortíssimo alerta eleitoral.

A quem não tiver sensibilidade social suficiente para acolher o repto, pergunto apenas se não prefere os tons rosa aos vermelhos. Eu, pessoalmente, acho mais airosos...

FMC

3 comentários:

  1. O RV bem tinha razão quanto ao primeiro texto do nosso FMC.

    Gostaría apenas de fazer nota de uma coisa: quanto ao facto de não terem comentado a ascensão da extrema-esquerda, referes-te apenas aos "nossos" analistas. E que dizer dos "nossos" jornalistas, que, como referiu o JPP, gostam de tratar sempre muito bem o BE, permitindo autênticos comícios televisivos?

    Creio que ainda muito poucos se deram contam do que estes resultados significam e/ou poderão vir a significar.

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  2. Ora, FMC... considerar a CDU ou o PCP, e mesmo o BE, como extrema-esquerda parece-me um pouco forçado.
    Depois, onde creio estar realmente o perigo, é na ascensão da extrema-direita, essa sim, inequívoca, no parlamento europeu.
    Mas a isso parece o FMC não passar charuto.

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  3. Caro CJT,

    Essa opinião deve-se certamente à habituação derivada de muitos anos de coexistência parlamentar desses dois partidos com os partidos do arco democrático, num discurso que nem sempre é claro em relação aos aspectos menos sãos da respectiva ideologia.


    O Partido Comunista é o mesmo de há cinquenta anos atrás, e se é certo que já não vemos no Bloco de Esquerda, por seu lado, o provincianismo da UDP, a irresponsabilidade da Política XXI e a histeria do PSR, a doutrina e as pessoas lá estão.

    Se ler as declarações de princípio de ambos os partidos, certamente não deixará de reparar nas perspectivas nada moderadas sobre a propriedade dos meios de produção, o sistema bancário, a regulamentação do trabalho e o papel da União Europeia.

    Perante isto, não há que rever a terminologia empregue apenas para não ferir susceptibilidades. As coisas são como são e, a mim, como estão, deixam-me preocupado.

    Serei só eu?

    FMC

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