terça-feira, 22 de setembro de 2009

Cavaco devia falar antes das eleições?

Claro que sim.

Porquê?

Desde logo, porque o assunto é importante e urgente. Quando estas duas realidades convivem, uma acção imediata é requerida.

Por outro lado, num embate de conjunturas, é mais importante a conjuntura da relação entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro (e das vigilâncias que entre ambos possam ser promovidas) do que a conjuntura das eleições legislativas.

Além disso, não vale a pena tentar transformar num grão de terra - a República - numa pedra preciosa - a Monarquia.

Na República, os presidentes influenciam eleições?

Claro que sim. Uns disfarçam melhor (Soares, Cavaco), outros pior (Eanes, Sampaio), mas a influência está lá, seja consciente, seja inconsciente e inevitável. Mais: na filosofia republicana, nem vejo porque haveria de ser censurável que assim sucedesse, pois que à independência e isenção da função se associam poderes e direito de opinião política.

Como soe dizer-se, não é defeito, é feitio: os Presidentes da República são políticos, são militantes de partidos (e por vezes têm longa carreira partidária) fizeram campanhas, disseram mal dos adversários, fizeram da sua vida a eleição.

Quando são eleitos presidentes nasce aquele fado castiço do "presidente de todos os portugueses", que será cantado quando tudo estiver bem e que será silenciado quando as coisas azedarem.

Numa Monarquia, teria sido o povo a fazer cair Santana Lopes - nas urnas. Numa República, foi Sampaio, Presidente, com certeza, mas socialista de sempre.

Seria rídiculo imaginar - e ainda mais exigir - que um Presidente fizesse de conta não ter como passado o passado que efectivamente é o seu.

Por isso, é anedótico que um regime que prevê que o chefe de Estado seja politicamente engagé com um dos lados se aflija tanto, qual pretensa virgem mais sonsa que púdica, com "as influências" de Belém na política.

É o mesmo que exigir que o árbitro de um jogo seja sócio com quotas pagas, ou do Porto, ou do Benfica e depois dar gritinho agudo de escândalo se o árbitro é visto a ir (naturalmente) ao estádio do seu coração.

Numa República, não desfazendo, é curta a diferença entre o Estado e o estádio.

Um chefe de Estado republicano pode arriscar: não terá de chefiar o Estado a vida toda, nem comprometer o legado deixado ao herdeiro da Coroa, a sua lógica não é da continuidade, é a da precariedade.

Por isso, sendo o assunto urgente, importante e não haver nada na República que desaconselhe que o Presidente faça política, urge fazê-la, in casu, contando o que se passou (ou não se passou).

No fundo, cada regime tem a sua lógica, e Cavaco Silva, que merece todo o respeito, pode contribuir para que a República ganhe em prestígio (sim, também a República me merece respeito, ao menos porque a República Portuguesa é Portuguesa).

Já que os portugueses fogem tanto da política, da verdadeira política, dos temas importantes e urgentes, a República podia, através do seu líder, dar o exemplo, enfrentando-a, assumindo-a.

Para um monárquico, tratar-se-ia de um momento de autenticidade do regime e de, numa situação concreta, fazer uso de umas das características que definem uma República (para o bem ou para o mal): a do chefe de Estado ter objectivamente menos constrangimentos do que um Rei.

Sem comentários:

Enviar um comentário