quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Garantias para todos

Qualquer cidadão tem direito a uma opinião. Se for jurista, pode mesmo arrogar-se o direito de acrescentar à sua opinião de cidadania uma opinião de cidadania. É o que aqui tentarei fazer.

É bem verdade que as garantias de protecção dos arguidos são uma autêntica impressão digital do Estado de Direito. Só o Estado que sabe punir e que pune um arguido que se pôde defender e que foi incriminado de acordo com procedimentos pré-determinados e aceitáveis à luz dos direitos humanos é que tem legitimidade para punir. Só assim a punição é justa.

Por isso mesmo, importa respeitar a ultima ratio das escutas, o requisito da prévia autorização judicial para a sua realização, o direito a um advogado quando do interrogatório, o segredo de justiça (enquanto valor não absoluto), a necessidade de produção de toda a prova na fase do julgamento, o respeito pelos segredos profissionais e da confissão, etc., etc., etc.

Repare-se, não obstante, que estamos a falar de requisitos formulados nas suas linhas gerais, que subsequentemente são objecto de uma concreta regulamentação legal.

Sucede que mesmo na sua formulação geral, esses princípios e valores do Estado de Direito não vivem isolados, devendo ser harmonizados com outros valores estruturantes do Estado de Direito, como são os direitos das vítimas à vida, à integridade física e moral, à segurança, o direito dos cidadãos a aceder à Justiça, com a segurança.

Também podemos aspirar a viver num País sem corrupção, ou, ao menos, em que ela existe (como em todo o lado), mas é combatida, tal como a pedofilia, o tráfico de droga, a violação, ou o homicídio.

Temos o direito de querer viver num País onde se protegem arguidos e vítimas, sendo que as vítimas da corrupção somos todos nós.

Temos o direito de querer viver num País exigente consigo próprio, em que não se desvalorize o crime de corrupção e que é muito mais grave do que a fraude fiscal, do que o furto, do que a difamação, do que a injúria. Ao menos no plano moral.

O que corrompe e o que é corrompido misturam o furto, com a burla, com a fraude, numa salada execrável e quase sempre (mal) disfarçada pelas vestes semi-pomposas, semi-emergentes, semi-deslumbradas-perante-o-poder dos intervenientes nesse tipo de crime.

Por isso, é errado levar a garantia ao ponto de deixar o crime impune ou por investigar, sobretudo quando fica impune não em homenagem a bons princípios acima lembrados, mas por minudências regulamentadoras burocráticas ridículas.

Se a muita gente preocupa a "vertigem securitária" - coisa que desde que há democracia em Portugal jamais existiu (nem sequer em sonhos), a mim não.

Conheço relativamente bem a história dos nossos brandos costumes para saber que temos pouco material genético para grandes vertigens, mais a mais securitárias... A nossa democracia é mais branda do que todas as demais, do mesmo modo que as nossas ditaduras (as de esquerda e as de direita) também foram mais brandas do que as demais, que o nosso absolutismo foi menos absoluto do que os demais e que o nosso feudalismo foi significativamente menos feudal do que os demais...

Preocupa-me, isso sim, a nossa "vertigem suicidária", de ficar para trás sem nos importarmos, de cairmos no fado de que não é possível melhor, de que uns são impunes e outros não, de que a Justiça não pode ser reforçada, de que "isto é assim em todo o lado", de que "X ou Y metem ou bolso, mas também deixam obra", de que "a culpa é dos juízes".

É curiosa esta tendência nacional, pois que para tentar investigar um crime - note-se que nem sequer é para punir, mas apenas para poder investigar e julgar - não conta a boa intenção, zelo e boa vontade de todos quantos dedicam o seu dia-a-dia a investigar por conta de todos nós.

E, no entanto, na política, se aparecer político com poucas ideias para o País, mas que não esteja para formalidades e entre no País como elefante numa loja de cristais, - e dele se fará um político de primeira água, um líder, um homem "determinado".

Por isso, abstraindo de qualquer caso concreto, que a médio e longo prazo é pouco importante, interessa repensar a lei penal, mormente em matéria das escutas, porque dúvidas não existem que a reforma de 2007 é uma reforma incompetente, errada e injusta.

Quem pretende que as escutas não sejam sempre nulas, ou por minudências não quer punir na praça pública quem quer que seja, até porque os escutados, como por exemplo, todos os escutados do caso "Face Oculta" podem estar inocentes. Porque podem mesmo.

A questão não é essa! A questão é que os indícios suspeitos devem ser analisados, investigados, apreciados, julgados, para que se possam condenar os culpados (todos, ou só alguns) e absolver os inocentes (todos ou alguns).

Creio mesmo que este deve ser o desejo de muitos, ou de todos os escutados, pois que a escuta pode contribuir para a sua absolvição. Na verdade, o próprio escutado pode ter interesse na revelação de uma escuta tida por nula para que dúvidas não restem acerca da sua conduta.

Trata-se, enfim, de, como soe dizer-se, deixar a Justiça fazer o seu trabalho, qualquer que seja o resultado final, para condenar uns e absolver outros.

Se as investigações morrerem à nascença, por efeito de leis mal pensadas, ou mal construídas, ou por falta de apoio à Justiça e aos que nela e para ela trabalham, não há inocentes, nem culpados, há apenas suspeitos.

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